02 setembro 2014

O homem da árvore e o Borrado

A vida é uma das fontes mais ricas de inspiração. E fazer de suas próprias experiências tijolos no processo de construção de um espetáculo é o mesmo que doar o próprio ser para que a arte tome o seu devido lugar. Acredito que, deste modo, o que se propõe a apresentar, transfigura-se em um laço plural que interliga e enamora vidas e faz com que haja um intercâmbio vivo de sentimentos.
O BORRADO, dirigido por Luiz Jr, permeia por essa proposta que, através do reflexo de seus atores, compartilha momentos únicos e especiais. O BORRADO não traz somente o ator Luiz, mas também nos presenteia com o Ator Anderson Danttas. A soma de ambos nos leva por um caminho humanizante, próprio e íntimo. Lembro-me do filósofo Michel de Montaigne que quando escreveu sua obra se propôs a pintar-se nu e desta maneira, gravar suas impressões sobre o homem em sua filosofia, o Eu evidenciado. E por ser assim, uma costura de retalhos, se aproxima de quem a busca, ela se torna palpável. E esse espetáculo d'A Outra Companhia de Teatro-BA, apresentado nessa última Sexta no A.Bo.Ca, tornou-se palpável. 

Ao convite dos próprios atores, ficamos bem à vontade para ouvir, intervir e participar daquela conversa que tinha por guia uma lista escrita e enumerada em um espelho. Os significados já apresentados nesse elemento: quem olha para o espelho, olha para si. E olhando, Luiz e Anderson inseriram histórias de medos, amores, desencontros, encontros, e libertação. É, sem dúvida, contagiante. Em pouco tempo, já nos considerávamos "amigos" porque de um tudo foi compartilhado e conhecendo, torna-se próximo. Suas histórias nos serviram como lições e como lembretes, e nos vimos refletidos em seus reflexos.

O rapaz da paróquia, que nunca foi coroinha, mas que trabalhou 06 anos por lá. Incompreendido pela mãe ao ser pego, quando criança, brincando com um batom, da coragem de correr atrás de uma paixão, de saber ser forte para conseguir o que se almeja e usar da realidade como elemento fundamental de seu alicerce.

O HOMEM DA ÁRVORE, o feitor de pássaros, homem dos talentos, que de coração transborda. Fiquei a imaginar se ele era real... Não se vê mais pessoas como ele que sabem enxergar os verdadeiros tesouros, que sabem identificar a fio eterno caído sobre as coisas vãs, homem espiritual protegido e acalentado pelo amor de seu querida avó. Amante de um fôrma talvez extinta, mas ainda existente. Foram depoimentos, e-mail, fotos, cartas e o bosque que remontaram uma parte de sua trajetória naquela sala.
O BORRADO é um jogo de surpresas que nos faz rir, chorar, parar, pensar, acolher, perceber e receber. E o que você diria e a quem diria se seus últimos momentos fossem apenas segundos? Para quem você ligaria? Um "te amo" não ressoado equivale a um bem não praticado, quem ouve o "TE AMO" é agraciado com um dos maiores presentes, o amor. 

Aliás, acho que ser feliz é também ser borrado, inacabado, desfeito, por vezes imperfeito, frágil e forte. É ter sal. É permitir se amar e saber amar. É ter liberdade. É paz, luz.

Aproveito, neste fim, para deixar minhas congratulações a essa Companhia, A Outra Companhia de Teatro, pelo talento que carregam, ao Projeto MAR DE CÁ MAR DE LÁ. E ao meu querido Paulo Fuga que pelo convite tão carinhoso me fez participar de cada instante tão precioso.

Viva à arte! Viva o Teatro!

Créditos: 
Fotografia por Paulo Fuga

Um comentário:

  1. As vezes, só me dou conta do que faço depois a ideia se fez ato e tornou-se história compartilhada. E assim sigo borrado porque a história de um é por vezes espelho de outras tantas onde o enredo se mantém, mas seus personagens ganham outros nomes, e os finais certamente se encontram em algum ponto, ainda que na divergência. Eu diria que é preciso sermos atravessados cada vez mais pelo outro para sermos mais fortes!
    Que lindo ver o quanto de nosso trabalho reverberou em ti, Décio! Sou todo gratidão por ter ido e como você mesmo disse: ser feliz é também ser borrado, inacabado, frágil, desfocado, refeito, múltiplo, mexido... Obrigado, moço!

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